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Texto impróprio para 80% das pessoas


POR: Juliana Seben
16-06-2020 - 09:57
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MENSTRUAÇÃO. Eu garanto que você ficou com vergonha ou ao menos embaraço ao ler essa palavra. Caso contrário, provavelmente faz parte de uma minoria de pessoas e eu apostaria dizer que das 20% que fala com naturalidade sobre o tema.

Esse constrangimento que veste uma inocente carapuça, traz consigo uma infinidade de problemas sociais. Mulheres deixam de frequentar a escola, engravidam sem querer e, em determinados lugares, podem morrer por menstruarem. E é sobre isso que quero falar no mês que marca o Dia Internacional da Higiene Menstrual - 28 de maio.

Não se sinta mal por não fazer ideia que este dia estava no calendário de datas especiais. Aliás, não se culpe por estar pensando que não faz muito sentido ter um dia para a higiene menstrual. Até bem pouco tempo eu também não entenderia, pois não tinha informações sobre tudo o que afeta não falarmos sobre menstruação. Ou trocarmos esta por palavras mais “amenas”.

Há pouco mais de um ano eu comecei a trabalhar na Herself, uma empresa de Porto Alegre comandada por duas gurias que criaram uma versão brasileira de calcinhas menstruais. Antes que você pergunte, elas são calcinhas desenvolvidas com um tecido tecnológico que absorve o fluxo, substituindo qualquer outro tipo de protetor de uma forma sustentável, já que são reutilizáveis e duram mais ou menos 2 anos. Aqui tem mais informações.

Essa incursão a um mundo mais vermelho me trouxe muitas coisas boas, mas fez também eu sair da minha bolha e ter acesso a números como o que 57% das brasileiras sentem-se sujas durante a menstruação. Ou que uma em cada 10 crianças na África deixa a escola porque não tem acesso a absorventes e usam panos sujos (dados são da UNESCO). E outras histórias como mortes causadas pelo isolamento de mulheres que são consideradas impuras por estarem menstruadas. Se quiser entender o tamanho do problema na Índia também, tem um documentário na Netflix, e que chegou a ser premiado no Oscar desse ano, que mostra um pouco da realidade das meninas de lá. Se chama Absorvendo o Tabu e eu super recomendo.

Essas realidades podem até parecer distantes, e de certa forma são, lembra da bolha? Mas serviram para eu perceber que pequenos traços da minha história foram também afetados por esse tabu em volta da menstruação. Veja bem: quase todas as mulheres menstruam todo o mês. TODO O MÊS POR 40 ANOS e mesmo assim a gente esconde o absorvente pra ir até o banheiro trocá-lo e acha o fim do mundo estar com a calça manchada de sangue.

Sem contar que ainda temos que ouvir aquela pergunta cheia de machismo sobre se estamos de TPM, quando na verdade só não gostamos muito da pessoa que perguntou (brincadeirinha).

Há muitos e muito anos, meninas E meninos são criados para não pensar sobre isso. Falar muito menos. E se for o caso, só por apelidos. “Maré vermelha”, “chico”, “naqueles dias”. Precisamos parar com estes eufemismos e mais ainda marcar o dia 28 de maio, pois a menstruação é tão tabu, mas tão tabu, que não é vista como um problema para a nossa sociedade.

O livro Presos que Menstruam, da Nana Queiroz, mostra um pouco da realidade das mulheres nas prisões e como os absorventes e papel higiênico são artigos raros. A quantia de rolos por apenadas é o mesmo que dos homens nas prisões investigadas pela jornalista que escreveu o livro - 1 por mês.

Quando precisa, a singularidade das mulheres não é levada em conta e provavelmente só não entra na pauta, porque não é um problema, certo? Além disso, tem outro ponto que mostra como é renegado como problemática. Nem todas as mulheres se adaptam aos absorventes descartáveis ou se sentem confortáveis com a quantidade de lixo que geramos todo o mês.

Há pouco tempo, os coletores e as calcinhas menstruais se popularizaram, coisa de 2, 3 anos. Até então, nossa única opção eram os descartáveis, que trazem esse problema do lixo, mas que também causam alergia em muitas de nós. Apesar dessa miopia, ele é um problema e ainda por cima muito democrático! Tanto que, muitas mulheres que vivem em condições de higiene adequadas muitas vezes não sabem, não ensinam suas filhas ou simplesmente não conhecem o seu corpo. O tabu diante do corpo feminino e suas características é tão forte que afeta as formas como lidamos com O NOSSO CORPO. Louco né?

Essa desconstrução só tem um caminho: diálogo. Precisamos abrir a conversa com nossas filhas, nossas mães, nossas alunas e pararmos de esconder algo tão natural em nossas vidas. É um trabalho de formiguinha, com certeza, mas precisamos desenvolver cada vez mais essa capacidade de mobilização entre nós, mulheres, para que não seja preciso um dia igual ao 28 de maio, em que a pauta é a higiene menstrual.

A gente poderia substituir algo tão básico por outras demandas, como dominar o mundo, por exemplo :) 

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